Obras


Stray Dog (1999)

A primeira obra da Arakawa, Stray Dog é um one-shot¹ lançado originalmente em 1999 na revista Shounen GanGan, onde foi extremamente bem recebido pelo público e pela crítica, tendo ganho a 21ª edição do prêmio “Century Shounen GanGan”.

O mangá conta a história de um mercenário e fora-da-lei chamado Fultac, que, em um de seus assaltos, encontra uma pequena menina/cachorro que passa a segui-lo e chamá-lo de “Mestre”. Ela é o que, neste mundo, é chamado de Cão Militar², uma quimera entre seres humanos e cães, criada artificialmente. Esses cães militares passam a ser vendidos como servos e se tornam um bem comum nessa realidade, onde pessoas normalmente compram esses seres e os tratam de uma forma que seria condenável até para um animal.
A produção desses “cães” é exclusiva de um mago-cientista que se torna extremamente rico devido a popularidade desse “produto”. Fultac decide cuidar dessa pequena Cão Militar e tornar-se seu mestre. E a história continua 3 anos depois, com as aventuras desse par.

Assim como todas as obras da Arakawa, o interessante é ver como que uma história tão curta (são somente 49 páginas) podem conter tanta elaboração e tanta profundidade, o que se torna uma marca registrada da Arakawa em seus trabalhos subsequentes. Ela segue bem a linha de que “menos é mais” e consegue passar uma tonelada de informações e sentimentos sem cair nos monólogos explicativos intermináveis, nem em textos aparentemente complexos ou debates (pseudo) filosóficos. No caso dela, há uma aplicação bem prática do ditado “uma imagem vale mais do que mil palavras”.

¹ One-shot é o nome dado aos mangás que possuem somente um capítulo. Uma história curta, que tem seu início, meio e fim desenvolvidos todos em um só volume e não tem capítulos divididos.
² Para quem conhece Fullmetal Alchemist, esse nome vai soar familiar. Cães Militares, assim como diversos outros termos e temas, são utilizados em diversos mangás da Arakawa e é muito comum que vejamos uma influência de um trabalho anterior que tenha uma aparição nas histórias posteriores da autora. Temos uma página dedicada a enumerar essas referências e “coincidências” nas obras da Arakawa.
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Shangai Youma Kikai (Demons of Shanghai) (2000)

A primeira série da Arakawa. Teve somente quatro capítulos, lançados esporadicamente ao longo de alguns anos, mas há rumores de que essa série poderá ser retomada em breve. Tem um gênero que passa a ser quase que uma marca registrada da Arakawa: mangás de Aventura e Fantasia. Possui alguns personagens que fisicamente se parecem muito com personagens conhecidos em FMA, o que fez com que várias pessoas usassem quadros dessa série como falsos spoilers de Fullmetal.

A história se passa no ano de 2050, um futuro alternativo na cidade de Xangai, China. O resto do mundo teria avançado em tecnologia e ciências, mas Xangai teria se tornado uma cidade "atrasada" e, onde existiria uma infestação de demônios. Esses demônios teriam feito uma espécie de pacto para ficarem na Terra e, ao quebrar certas regras, podem ser caçados e mortos, o que os manda de volta para o mundo dos demônios. Nesse contexto, temos uma agência de Caçadores de Demônios, cujo trabalho é ajudar a manter os demônios em segredo e despachar os bagunceiros. Mais para frente, descobrimos que os próprios membros dessa agência também têm “características muito especiais”.

Esse mangá é uma das primeiras demonstrações da índole da Arakawa de usar referências de folclore, tradições, cultura pop, e brincar com elas. Este mangá é permeado de humor e de referências engraçadas e satíricas. Muitos dos ditos demônios da série são velhos conhecidos nossos do ocidente e, outros, muito conhecidos para os orientais, japoneses e para os fãs de anime já mais inteirados na tradição popular daquele povo. Em suas páginas aparecem personagens como Jack, o Estripador, Kyuubi¹, Imperador Guan, vampiros, entre outros.

¹ Kyuubi, ou Nine-Tales, é o nome dado a uma figura mítica do folclore Xintoísta. Nessa tradição, eles consideravam as raposas (kitsune) como animais mágicos. Servidoras da deusa Inari, as raposas poderiam viver tempos enormes e, a cada século vivido, adquiriam uma cauda, indicativo de seu poder e sabedoria. Ao fazer 1 milênio de idade (e, então, completando "Nove caudas", daí seu nome), elas ganhavam um título especial de Kyuubi, tendo poderes especiais e consideradas extremamente sábias.
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Hagane no Renkinjutsushi (Fullmetal Alchemist) (2001-2010)

A série mais longa da Arakawa até o momento e, de certa forma, sua obra prima, Hagane no Renkinjutsushi (Fullmetal Alchemist) é o mangá que lançou a Arakawa como mangaká conhecida mundialmente e é, possivelmente, uma das séries de mangá/anime mais conhecidas do mundo, na atualidade, ultrapassando fronteiras tanto do Japão quanto da comunidade otaku. Isso também gera um sério problema em FMA, que é a falta de exatidão de informações e a generalização sem muitos cuidados dos conceitos da série e até mesmo de seu conteúdo.

Hagaren (como é chamado no Japão) conta a história de dois irmãos em um mundo onde a Alquimia é uma ciência conhecida e avançada, fazendo parte do cotidiano das pessoas. Esses irmãos, com grandes talentos alquímicos, decidem tentar reviver sua mãe, que havia morrido de uma doença e, ao fazê-lo, desencadeiam uma série de consequências que vai levá-los a conhecer o mundo onde vivem, que envolve intrigas, ditaduras, militarismo, conspirações e, permeando isso tudo, uma profunda camada filosófica da busca do Ser Humano por aperfeiçoamento e das indagações sobre a Vida e a Morte, Deus, a Verdade, a superação de limites e de defeitos humanos e toda a "coluna vertebral" da chamada Filosofia da Alquimia.

Talvez um dos pontos mais interessantes de Hagaren seja o cuidado com que a Arakawa montou seu enredo, e as pesquisas que fez para construir o mundo de FMA. Essa série revelou a potencialidade da autora que, mais do que simplesmente escrever sobre algo, escreve sobre aquilo que conhece e sabe, e que estuda e pesquisa aquilo que deseja escrever. Temos exemplos disso em suas entrevistas e comentários, onde, por diversas vezes, chegou a falar de suas pesquisas tanto nos livros de Alquimia (que, no fim das contas, inspiraram a criação desta obra) quanto as pesquisas em livros de anatomia e medicina, em registros de Cortes Marciais e até em entrevistas com veteranos de guerra.
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Raiden 18 (2005)

Uma série de Humor Negro, que satiriza histórias de monstros e médicos loucos, bem ao estilo (a essa altura já bem estabelecido) de comédia típico da Arakawa.

O mangá conta a história de um “monstro”, chamado, Raiden-18. Ele é uma espécie de Frankenstein, criado pela Dra. Tokoha Tachibana, que usou somente as partes da melhor qualidade (de pessoas mortas), com o objetivo de ganhar prêmios como "criadora de Frankensteins". A Dra. Tachibana é uma especialista no assunto, tendo criado diversos Frankensteins e considera o Raiden-18 sua obra prima. Mas Raiden-18 discorda dela e, sendo um Frankenstein impressionantemente habilidoso e inteligente, considera o que foi feito consigo imoral e ilegal e está sempre questionando as atitudes e motivações de sua criadora, que o trata como um verdadeiro empregado.

Por mais que esse enredo pudesse estar descrevendo um filme de terror dos mais darks, na verdade, Raiden-18 é completamente humorístico e dificilmente conseguiria-se encontrar algum ponto sério na história. Há algumas piadas bastante refinadas e pesquisadas, do nível que somente aqueles que conhecem um pouco de história/cultura/literatura vão entender, mas, claro, como é comum da autora, sua comédia, por mais refinada que seja, não soa prepotente e pode variar da mais “cult” ao mais besteirol na mesma cena.

Alguns podem achar estranho o fato de, ao contrário de séries como Souten no Komori e Fullmetal Alchemist, Raiden-18 não possui praticamente nenhum desenvolvimento dos personagens. Mas isso, nesse caso, é algo proposital, pois o objetivo de Raiden-18 não é envolver os leitores emocionalmente com os personagens, mas sim fazer uma sátira inteligente e original a toda uma cultura de histórias de terror.
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Souten no Komori (2006)

Essa série segue uma das outras paixões da Arakawa: história tradicionais orientais, sobre guerreiros, e de enredo profundo e introspectivo. Souten no Komori é a típica história tradicional sobre ninjas!

Sem tomar grandes liberdades com o gênero, a Arakawa segue uma linha bem tradicional, de ninjas silenciosos, vestidos de preto, mortais e com cara de poucos amigos. Sua inovação está, novamente, na forma de narração e nas reflexões filosóficas propostas pelo enredo, sobre as motivações que uma pessoa pode ter na vida, seus sonhos e planos, suas limitações e defeitos...

O mangá conta a história de uma kunoichi¹ renegada chamada Henpukumaru (nome dado a ela devido a marca de nascença em formato de morcego em sua bochecha) que se vê na casa do maior inimigo de seu clã após quase ter morrido. O futuro Lord da região, um pequeno menino chamado Chiyozuru, salva a vida de Henpukumaru e se afeiçoa profundamente a ela.

Mais do que qualquer coisa, Souten no Komori tem como tema central a ideia da Redenção. O interessante disso (além do fato de ela conseguir passar essa mensagem em apenas 64 páginas) é que, não importa qual é o enredo de suas obras, todos os mangás sérios da Arakawa perpassam em algum nívem por esse tema: o da Redenção. Ao conhecer um pouco melhor a trajetória da autora, vemos que esse tema se repete em Fullmetal Alchemist, Stray Dog, Juushin Enbu e que se torna uma de suas maiores marcas registradas. E Souten no Komori é, provavelmente, a obra onde esse tema fica mais evidente.

¹ Kunoichi é o termo japonês utilizado para designar uma mulher ninja ou praticante do ninjutsu.
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Juushin Enbu (Hero Tales) (2006 - em hiato)

Juushin Enbu, na verdade, não é um mangá somente da Arakawa, mas uma produção de um grupo que se auto-intitula Huang Jin Zhou, do qual fazem parte a Hiromu Arakawa, a Genco e a Studio Flag. O enredo foi escrito conjuntamente, e a Arakawa ilustrou e utilizou seu nome para divulgação.

O mangá surgiu de um trabalho de um grupo doujin¹ chamado Dennou Sanzoku Bukando (formado pela Hiromu Arakawa e Zhang Fei Long), e se chamou, inicialmente Shishi Juushin Enbu. Ele foi lançado primeiro como mangá online (em uma época em que a Arakawa ainda não trabalhava com mangás profissionalmente) e, depois, em fanzine. Só veio a se tornar a série de mangá conhecida atualmente cerca de 7 anos depois disso.

O mangá é um wuxia², ambientado na China Imperial. Centra-se na história de um rapaz chamado Taitou que, ao se tornar maior de idade, se vê envolvido em uma trama com o ditador de seu reino e descobre uma série de guerreiros com poderes acima do normal, e que são encarnações dos espíritos das estrelas de uma constelação.

Alguns dos temas dessa série são a discussão acerca do destino, das "predeterminações" e também de sucitar o questionamento de até que ponto temos certeza de nossas convicções e, até que ponto nossas crenças podem ou não derivar de uma visão parcial ou até mesmo deturpada da realidade. Acredita-se ser o herói e estar lutando pelo “Bem” e pela “Justiça”, mas, sendo o mundo tão variável como é, como pode-se saber o que realmente é “o Bem”? Podemos acreditar estar trabalhando para o “bem maior” enquanto, na verdade, somos usados por outras pessoas como uma forma de perpetuar tiranias?

Por isso, por mais que Juushin Enbu tenha um enredo básico que é bastante comum dentro do gênero shounen, de grupos de guerreiros que se opõem e que possuem poderes mágicos, Juushin Enbu guarda a marca de visão “fora do comum” que é típica da Arakawa, de gerar dentro de algo cotidiano uma reflexão que ultrapassa as linhas do previsível e do senso comum.

¹ Doujin – originalmente traduzido como “grupo” ou “sociedade”, doujin geralmente se refere ao que, aqui no Brasil, costuma-se chamar “Fanzine”, que são revistas amadoras, lançadas independentemente pelo próprio autor.
² Wuxia é um estilo consagrado de histórias, típicos da China e países correlatos. Conta sempre a saga de guerreiros Marciais andarilhos, que atravessam terras e países em busca de auto-aperfeiçoamento.
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Gin no Saji (Silver Spoon) (2011-)

Uma grande mudança de gênero para a Arakawa, Silver Spoon surgiu da parceria da autora com a editora Shogakugan, na revista Shounen Sunday. O direcionamento dessa revista é o de fazer um “espelho da realidade japonesa”, com o objetivo de ter o máximo de identificação da vida cotidiana das pessoas com os materiais que eles publicam.

Por conta disso, a revista sugeriu um desafio para a Arakawa: fazer um mangá de cotidiano e de sair um pouco do gênero fantasia. Seu gênero é o que, no Japão, chamam de Slice of Life ("fatia da vida"), que não possui nada de sobrenatural ou fora da realidade cotidiana, mas revolve em torno de questões que as pessoas reais lidam no seu dia-a-dia (dificuldades familiares, trabalho, relações amorosas...).
Isso também demonstra uma maturidade em termos de profissionalismo da Arakawa, de sair de sua “zona de conforto” para se aventurar em um estilo que ainda não tem grande familiaridade.

Apesar do ceticismo inicial de grande parte do público tradicional da Arakawa, que esperava mais uma história de Fantasia, Silver Spoon está fazendo muito sucesso no Japão e seu primeiro volume alcançou mais de 1 milhão de cópias vendidas em menos de um mês, demonstrando que a aceitação popular (e também da crítica) à série tem sido bem grande.

A história se passa em uma escola técnica (de 2º grau) de agronomia na ilha de Hokkaido, no Japão. Nessa escola, os alunos são todos pessoas que, por algum motivo ou outro (em geral por tradição familiar), pretendem trabalhar na área de agronomia, sendo fazendeiros, produtores, chefs de cozinha ou mesmo veterinários.
Hachiken é o novo aluno desta escola. Ele é um bolsista e que poucos entendem porque decidiu estudar nesta escola. Isso porque Hachiken veio de uma escola preparatória em Sapporo, o que o define como um aluno brilhante, daqueles que não tem vida social e cujo maior objetivo (ou pelo menos é o que se esperaria de um garoto assim) seria passar em primeiro lugar em uma universidade de renome e se tornar um grande político/empresário/advogado/médico.
Ao chegar, Hachiken leva um grande choque cultural, e precisa se adaptar a uma realidade onde as pessoas acordam as 4 da manhã para cuidar dos cavalos, sabem tudo sobre inseminação artificial e como matar e cortar um veado, mas não tem qualquer conhecimento de matemática, física ou literatura.
Aos poucos, vamos descobrindo que Hachiken tem mais motivos para ter deixado sua cidade e vida anteriores para ir para o campo e que tem dificuldades de lidar com sua própria família e também com o futuro.

O que mais marca a série é a leveza da história, de tratar das confusões de Hachiken nessa escola e, em muitos casos, de ter que lidar com duas coisas: Humildade e Preconceito, pois, ao chegar, ele se acha 'melhor' que seus colegas e, com o tempo, vai percebendo que o fato de ele ser bom nos estudos não o faz bom em tudo e que seus colegas têm habilidades que nunca sequer imaginara e que o conhecimento é algo que é adaptado à realidade, e não necessariamente 'inexistente'. Ainda sim, os elementos típicos da Arakawa se fazem presentes na série, em especial do processo do Hachiken de perceber que ele não poderá fugir de seus problemas para resolvê-los e que, eventualmente, terá que encará-los de frente.